Vou te contar…RH

Saiu de casa pontualmente às 7h40, assim, quando aquele comentarista começasse a falar no rádio, já estaria confortavelmente dirigindo pela estrada, onde podia prestar atenção aos comentários dos quais tanto debochava. Como se aqueles caras soubessem como é a vida nas empresas. Exultava de prazer, ouvindo o que considerava as maiores baboseiras e acumulava estórias para a sua palestra de aposentadoria, diante da Diretoria da empresa: Já tinha o título pronto fazia uns dois anos: “O erreagá que não se entrega e entrega”.

Desta vez o comentarista falou sobre os pecados na hora da entrevista de emprego, mas ele se distraiu, pois preocupado estava em acabar hoje a política da empresa para assédio sexual e mandar para publicação. Gostava particularmente do capítulo que definia que um abraço entre colegas poderia durar até dezoito segundos, mais do que isso, era assédio!
Ficava excitado imaginando ter a D. Rosinha por dezessete segundos contra o seu peito, diariamente. Precisaria apenas lembrar de colocar o remedinho debaixo da língua antes, para evitar uma taquicardia.

Ligou para a caixa postal, para se certificar de que não havia recados. “Você não tem novas mensagens”, repetiu a voz e ele se refestelou no banco, a mão para fora do vidro, e ajeitou o som do carro. Instintivamente, pensou no passeio do final de semana, e colocou o CD do Bruce. “born to be wild” começou a rasgar os tweeters…

Quando chegou na empresa, D. Rosinha o aguardava ansiosa.
Que foi mulher, aumentaram o salário mínimo hoje?
Pior seu Antonio, reunião extraordinária de Diretoria.
Pauta?
Fusão.

Antonio Eduardo de Souza, o enérgico, conhecido como AES por suas descargas elétricas destemperadas, coçou a cabeça e desalinhou a massa grisalha que mantinha insistentemente jogada para trás.

Por que não me telefonou para avisar D. Rosinha?
Não queria que o senhor chegasse nervoso, chefe.
Mas agora eu já estou nervoso, pronto. Nervosíssimo! Você sabe quem é a diretora de RH daquela empresinha com a qual nos estamos entrando em parceria?
Aquela sirigaita?
Ela mesma.

AES sabia que não teria chances. Toda a diretoria babava pela D. Cindy. Ele seria dispensado, ou, suprema humilhação, rebaixado a assecla da D. Cindy. Logo ele, que sempre teve o cuidado com as pessoas, que tratava cada demissão como um caso de morte. Sim, porque quando AES chamava na sala do quinto andar, risco de vida é que não havia.

Entrou na sala, todos já reunidos. Cindy tinha um decote generoso. Estratégia de ataque.

AES tomou assento e mergulhou no caos. Cindy discursava enfaticamente:

….e portanto, vamos redimensionar os parâmetros, através dos benchmarks que o survey do nosso pessoal de Business Inteligence apontou e gerar uma estrutura mais lean, mais focada no delivery, e com isso aumentamos o committment do grupo, e…

Cindy parecia acreditar naquilo. Ele estava boquiaberto. Todo aquele discurso bárbaro. E ainda tinha os peitos de bônus.

Senhor Souza, o que o senhor acha da proposta?

AES pigarreou…

Rã, ham…eu achei um risco.

Um risco?

Sim. Um risco. Devemos levar em consideração os montes, as massas sustentáveis, que sobejamente flutuam, acima de nossas expectativas. É inquestionável o valor também do vale, entre as massas sustentáveis. Ali vislumbramos o risco. Um belo risco profundo. Não podemos desprezar os vales, não, jamais! Não estaríamos sendo justos. E os bicos, quero dizer, os picos de performance, eles precisem ser melhor avaliados pelas políticas internas. Com carinho, com mãos delicadas, para não causar um frisson além do necessário. Vejo dois picos importantes em um futuro próximo, portanto, temos de nos preparar, tomar as medidas com antecedência. Sim, nada pode sair errado. Um aperto mais efusivo e pof! A coisa toda pode explodir. Eu não gostaria que fosse artificial, mas pode ser. Hoje em dia….Portanto, muito cuidado. Eu acho que eu estou qualificado para cuidar destas massas, destes vales, destes picos.

A Diretoria, embasbacada com o discurso vigoroso, e pleno de entusiasmo, aplaudiu o Senhor Souza de pé. Com ele, a fusão seria um êxito!

4 thoughts on “Vou te contar…RH”

  1. Amigo Bardagi,

    parabéns pela passagem de seu aniversário.
    Muitas felicidades, paz, saúde e mais sucesso.
    Abraços
    Jorge Benther

  2. Marcos,
    Esse foi um dos mais criativos, adorei realmente! Não apenas pela “singela” critica ao nosso comentarista básico das 07:45 am (kkk) mas pelo desfecho, fabuloso!
    Abs,
    Sam

  3. O discurso da D. Cindy me traz muitas lembranças divertidas… Você está bem afiado.
    Cá entre nós: a vantagem de estar “desacelerando” é não ter mais que ouvir palavras como: vantagem competitiva, benchmarking, valor agregado, committment, survey e que tais. Abraço

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